Poncius Cavacus, governador da província mais ocidental do
império do meio, já tem sido protagonista de algumas histórias curtas do Tio. O
que hoje vos deixo (não confundir com algum António Aleixo dos tempos
modernos), é a história completa desta mítica personagem, mestre do tabu e dos
silêncios. Dado o longo percurso do herói, terei que o fazer em três partes.
Lamento se esta metodologia causar algum efeito de angústia ou ansiedade, que não
são, de todo, objectivos da prosa.
- Ascenção e queda da cidade de Ponciany
Poncius Cavacus foi governador das terras à beira mar
plantadas, numa altura de grande abundância. Quando começou a sua carreira
política, com a rodagem da parelha de cavalos da nova quadriga, nunca imaginou
o longo percurso cheio de certezas, ao serviço do povo, que havia por o aceitar
durante um número incontável de anos.
Nessa altura os sestércios chegavam de Bonannium via Broekzelle,
a “aldeia do pântano”, em grande quantidade e o povo foi-se, facilmente,
desabituando de trabalhar. Quanto menos produzissem, mais recebiam e este
sistema pérfido foi compreendido de imediato por alguns governantes menos
escrupulosos, que pensaram ter achado a galinha dos ovos de ouro da felicidade
popular: Produzir menos e receber mais, ter mais tempo livre para gastar… Gastar
era a palavra de ordem, apesar de nos discursos esta verdade nunca ter sido
assumida, preferindo usar termos e formas mais delicados como: É preciso
rentabilizar o Império, os povos mais eficientes do Norte são mais eficientes,
eles produzem melhor, nós somos bons no Turismium (actividade emergente, nessa
altura). Outro argumento em voga, nessa altura, pelos governadores das outras
tribos, prendia-se com a vocação da universalidade da nossa tribo: “Não podemos
discriminar os povos do Oriente, temos que lhes dar assento na Organização
Mundial das Trocas, eles precisam da nossa ajuda. Somos todos iguais, há que
tratá-los como iguais, eles são os nossos irmãos do Oriente”. E assim, o
Império que verdadeiramente tinha sido do meio, passou a ser integrado na
comunidade, transformou-se numa base do consumo. Deixou de ser do meio, mas
passou a ser um meio das tribos, cada vez mais pobres, poderem ter coisas
semelhantes às que estavam habituadas, mas de duração e qualidade inferiores.
O nosso Poncius foi-se rodeando, nessa altura de muitos
conselheiros, homens argutos, mas de fraca fé, que em seu nome foram roubando e
também fazendo suas as propriedades que eram de outros e até de todos. A Cúria Central
de governo do Velho Mundo continuava a enviar os sestércios que o povo gastava
à tripa-forra, com uma alegria que noutros tempos teria merecido muito mais do
que a erupção de um vulcão…
Estes conselheiros, verdadeiros fariseus, foram-se enchendo
de sestércios, passando o dízimo a ser cobrado à cabeça: em cada dez de
subsídio, pelo menos um ficava do lado de lá. Cada vez passou a ser aceite, com
mais naturalidade, esta situação caricata que a todos “beneficiava”.
As quadrigas passaram a ser mais vistosas, as vias poncianas
mais largas e de vias duplas permitiam velocidades maiores para as novas
quadrigas, as villas maiores e com mais divisões, as piscinas privadas
substituíram os banhos públicos, multiplicavam-se as construções de aquedutos,
viadutos e outros dutos, sobre a batuta de Betoneira do Ferragial, que mais
tarde viria a ser conhecido por arrecadar o dinheiro da cobrança das portagens
nas pontes de acesso à capital do reino.
Este enorme esforço de construir o jardim à custa do
betonium (argamassa de cor cinzenta produzida com recurso às margas de Setúbal
e da serra de Loulé), fez com que muita gente enriquecesse rapidamente, num
ritmo só comparável ao do governo de Socratinium, grão-vizir que não queria ser
califa no lugar do califa (verdadeiro Iznogud dos tempos modernos) e que viria
a governar o reino anos depois.
Os historiadores apontam o início da fase de declinium de
Poncius, o bloqueio na famosa Ponte Salazarium, por causa das portagens do
Betoneira do Ferragial, mas o verdadeiro golpe de misericórdia deu-se quando um
belo dia, inebriado pelas conquistas da modernidade, o nosso Poncius quis
acabar com as festividades do Carnavallium. O povo revoltou-se e ele perdeu as
eleições para o senado. Assim terminou o primeiro governo de Poncius Cavacus, que
acabou por ser substituído por Bonzinhês, um bonzinho da ala esquerda do
parlamento, depois de ter falhado a tentativa de passar a Califa e queimado
o seu amigo e fiel seguidor Fernando Amendoeira.
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