Um sentimento característico da geração anterior à minha e
que fazia parte desse inconsciente colectivo que Jung nos fez descobrir, era o
do orgulho nacional. Ser português era motivo de orgulho. Uma nação inteira que
se estendia por vários continentes, vibrava com os desfiles, as paradas, os
atletas de aquém e além-mar… Um desses momentos de celebração do orgulho
nacional foi
Exposição do Mundo Português na década de 40, que recentemente
está a ser redescoberta.
Evidente que não tenho qualquer memória real de tempos onde
ainda fazia parte da “massa dos impossíveis” e as imagens que retenho chegaram-me
via mass media ou pelo tal conjunto de arquétipos que inconscientemente herdei, de
recordações certamente vagas de pessoas que viveram essas épocas áureas do
regime, em tempos anteriores ao nosso. Recordo-me das linhas de caminho-de-ferro
que aprendíamos na escola e que muito percorri na realidade de jovem e na
imaginação de miúdo. Já as produções agrícolas de Angola, Moçambique, Timor e
S. Tomé e Príncipe são uma amálgama de café, mandioca, milho e cacau, onde se
misturam rios que podem atravessar África e Montanhas mais altas que a serra da
Estrela que entretanto substituiu o Pico Ramelau no ranking das alturas
nacionais. Não sou da geração do apogeu, nem da do declíneo do Estado Novo.
Recordo-me da emoção dos jogos de hóquei em patins
Portugal-Espanha, transmitidos a preto e branco, nas mesmas cores em que nos
chegavam as aventuras de Tintin transmitidas pelo mesmo meio de comunicação, à
hora de almoço e ao fim da tarde enquanto esperávamos para tomar banho, antes
do jantar e depois de uma tarde inteira na rua…Também me recordo do Fernando
Mamede ter desistido de uma prova transmitida de madrugada pelo único canal que
havia e sobrava (porque tínhamos mais que fazer) e das medalhas do Carlos Lopes
e da Rosa Mota, que nos fizeram emocionar ao sentir essa enorme alegria de ver a bandeira de Portugal nos Jogos Olímpicos.
Sim nessa altura ainda nos sentimos orgulhosos dos nossos atletas, com vidas como
as dos outros mortais, mas que foram mais além. E também tínhamos o José Hermano Saraiva, que nos recordava os feitos dos nossos antepassados.
Não tenho ideia nenhuma de jogos de futebol na década de
setenta ou oitenta, a não ser os do Sporting, com o Yazalde (espero que seja
assim que se escreve), a marcar golos e o Damas à baliza, por isso não sei se, participámos
em mundiais de futebol. Tenho uma vaga ideia do México onde o Bento (outro
grande guarda-redes) partiu uma perna e a selecção teve a brilhante ideia de
fazer greve. Uma ideia original, sem dúvida. Vinte anos antes tínhamos perdido
nas meias-finais do Mundial, em Inglaterra, onde o Eusébio e outros fizeram um
brilharete. E é o que sei do futebol desses vinte anos, com excepção de um
europeu ou mundial, onde perdemos com a França, indecentemente roubados com uns
penaltys forjados. Não me recordo de bandeiras à janela nessa altura, nem de vaias ao Miterrand.
Ora hoje, como nas décadas de 40 e 50, também a nação coloca
bandeiras à janela, mas não para manifestações politicas. A nação vibra com os
feitos de outros portugueses, mas não com os feitos históricos… Os homenageados
viajaram mas não são navegadores e a independência, que até vai deixar de ser
feriado, deve passar a referir-se a árbitros que foram isentos. As vitórias nas
batalhas não se referem a Atoleiros, Valverde, ou Toro (esta será sempre um exemplo
que nem sempre vencer, significa ganhar), mas a sim a vitórias em fases
distintas do campeonato europeu ou mundial de futebol… Hoje já ninguém sabe quem
foi Duarte de Almeida, ou a razão do nosso rei D. Afonso V ter agarrado em
armas para defender a sua sobrinha, Joana, a Beltraneja como é conhecida em
Espanha. Zamora confunde-se com Samora, que pode ser uma localidade com um nome
de pessoa que entra em algumas anedotas...Hoje a televisão traz-nos as marcas
dos carros dos jogadores de futebol, os nomes de namoradas, as discotecas que
frequentam e os buracos onde andam atolados alguns dos nossos governantes
recentes e as chorudas contas bancárias das sobrinhas …
Hoje, temos jogadores que ganham fortunas mas que têm medo
das lesões e arriscam pouco, a não ser nos penteados, que até chegam a mudar no
intervalo dos jogos. São mais importantes pela imagem e pelo potencial de
merchandising do que pelos golos. Talvez por isso já não façam greves… Os
bancos aproveitam-nos como imagem e os papás e mamãs ficam vaidosos quando os
garotos estão nas escolas de futebol e entram em campo com as estrelas... Estes
pequenos momentos de vaidade servem para mostrar que os filhos não são tão maus
na escola regular como os professores os querem fazer crer…Estamos para além do
Milo com o Humberto Coelho e do apelo a uma vida sadia. Estamos no apelo ao
futebol e à massa, ganha não importa de que maneira.
Enfim, pouco mudou e os sintomas são os mesmos…por isso, ao
pensar no ter e no ser e na importância dada ao ter, ou seja, à massa, penso
que em vez de orgulho nacional, estamos sim cheios de gorgulho nacional: uns
bichos que sorrateiramente se vão alimentando dos cereais que o povinho
armazenou, a custo. E como eles gostam de massa…
Adeus José Hermano Saraiva. Hoje é tempo de outra alma...