Esta frase, sem qualquer acentuação, despertou-me da sonolência habitual do final de tarde de um dia stressante, enquanto tentava repousar por uns minutos num comboio. São aqueles minutos que valem por horas e que aproveito algumas vezes. Vi o mar calmo e tranquilo. Podia ser no Estoril ou em Espinho.
O tom de voz não era ameaçador, enigmático ou sequer
zangado. Se houvesse algum sentimento naquela calma, seria tristeza. Uma
tristeza calma, mas profunda.
Um leitor de MP4 envia-lhe um kuduro progressivo que eu
próprio ouvia. Ligeiramente, de forma discreta mas constante, abanava a cabeça
ao ritmo que eu também sentia.
Um telemóvel na mão e outro no colo, ao lado do MP4,
iam debitando sms que iam sendo respondidos. Um deles tocou. Deve ter vibrado
porque não o ouvi, talvez entretido pelo ritmo contagiante do kuduro, ou
embalado pelo mar da baía, talvez de Cascais, talvez de Cadiz...
Não queria ouvir, mas não podia deixar de o fazer. A
menos que me levantasse e mudasse de lugar o que também não me apetecia nada
fazer...
Olhei-a de relance, mais uma vez. Um rosto bonito,
tranquilo, uns olhos que, com dificuldade, tentavam ser inexpressivos. Teria
vinte anos? Não sou nada bom a adivinhar idades, mas de certeza que não teria
mais de vinte e cinco.
Disse que tinha uma notícia que a tinha deixado de
rastos. E percebia-se. A calma era de tristeza e a mágoa era profunda. Não era
uma ferida ligeira, feita de raspão, sem consequências.
Não queria acreditar no que ouvia, nem queria ouvir o
que dizia. Felizmente o comboio lá ia anunciando as estações, e o barulho feito
por um grupo de estudantes permitia não ouvir, apesar de não dar para isolar
completamente.
De repente, sem qualquer aviso prévio a carruagem ficou
gelada. Acho que fiquei paralisado, talvez seja assim que se morre quando se
fica parado no gelo. Sem vontade de se mexer, mesmo sabendo que será o fim.
Fiquei assim e mesmo olhando para as letras vermelhas da sinalização do
comboio, que teimavam em indicar 22º no interior, não acreditava.
Percebi que estava triste porque o amor da sua vida,
que recentemente a tinha deixado, já tinha novo amor. Tinha sido abandonada mas,
pior que isso, trocada por outra. Fiquei
triste. Não acreditava que era o fim do mundo, mas pareceu-me que sentia que
não teria energias para recomeçar...Que poderei fazer, pensei, sem grande
esperança. Uma palavra simpática, um sorriso de ocasião? Perguntar-lhe se o
kuduro era o que tinha pensado? Provavelmente não iria fazer nada e só seria
mal interpretado.
Percebi depois que o amor perdido era de outra mulher.
Era uma história de mulheres, entre mulheres. E aí nunca saberia o que fazer ou
dizer…
Quando, depois da conversa agarrou no outro telefone e
comunicou a decisão de, talvez não ir dormir a casa, fiquei com a certeza que
qualquer boa intenção seria trucidada, mal interpretada e inconveniente. O que
não me apetecia nada.
Nunca estamos devidamente preparados para todas as
situações. Às vezes, ainda bem que é assim. Sobra algum espaço para o
improviso, para a originalidade, para o arrebatamento da paixão. Outras vezes
não. Não me sobrou nada. Não por ser mulher, ou homem. O ser mulher
dificultaria ainda mais qualquer coisa que tentasse. Foi pela determinação
calma. Foi isso que me deixou triste. Um pouco como a inelutável calma e
serenidade das marés, antes das tempestades...
As probabilidades de a rever são infinitesimais.
Desejo-lhe felicidades.
Que se encontre e encontre a felicidade tranquila que a
calma que ostenta parece pretender.
E que possa um dia descobrir que não somos todos iguais...
E que vale a pena tentar de novo, não talvez, mas sempre!
Que coisa bonita de ler essa tua terna solidariedade com uma desconhecida, apreciadora de kuduro, Tio!
ResponderEliminarJá viste que se a frase fosse pontuada - não, acentuada - já não seria uma frase e sim duas. Assim, por exemplo: 'Talvez não! Vá dormir a casa!'.
Quem sabe ela não estivesse a despachar um/a provável e novo/a pretendente a ocupar o lugar que havia ficado vago no seu coração e, quiçá, na sua cama?
De qualquer modo, pressenti, na atitude da jovem, uma certa duplicidade comportamental...!?! Apesar disso, gostei muito desse teu sentimento de entrega e de preocupação com os problemas dos passageiros e teus companheiros de viagem, no Alfa Pendular.
Desde que andas cá pelas bandas nortenhas, estás mais sensível. Até já pensas que para se tentar de novo, é preciso não ir dormir a casa muitas vezes!
Só lamento não ter sobrado nada para ti, nem sequer a oportunidade de teres duas palavras com ela e fazer com que o seu olhar brilhasse expressivo.
Foi pena!...
Beijinhos Tio... Há sempre um amanhã e mais viagens, ( interplanetárias) quem sabe um dia se voltam a encontrar?
.
Janita, gostei da ideia da pontuação...Mas olha se tivesse sido o Alfa, teria dado tempo e a história não teria acabado assim...
EliminarMas tens razão, estou a ficar mais soft Fico na dúvida se será do frio que nos tem assolado! Estava era com saudades dos comboios ;-)
Beijinhos
Que possas sempre ir dormir a casa, querido Tio!
ResponderEliminarBeijinhos. :)
Maria Tu, E se possível com Kizomba, em vez de Kuduro ;-)
EliminarBeijinhos!