Em miúdo sempre me fizeram imensa impressão os designados “Palácios
da Justiça”, com as suas fachadas sóbrias e os seus interiores austeros.
Recordo-me bem do meu primeiro bilhete de identidade e da altura gigantesca dos
balcões (na minha terrinha nesse palácio de formas quadradas, janelas pequenas
e escadaria escusada, o Arquivo de Identificação funcionava no mesmo local),
que constituíam uma barreira que nos separava dos intocáveis funcionários
judiciais de expressão severa…
A completar o ramalhete as palavras “domus justitiae” que
vezes sem conta me levavam a interrogar sobre a necessidade de estar escrito em
latim, língua morta que me remetia às aventuras do Alix e Asterix e nunca a uma
coisa séria como seria a justiça, coitadinha, com os olhos vendados, a segurar
uma balança com livros e moedas.
Hoje a famosa e ubíqua (tinha que colocar uma palavra de 20
euros) transparência da administração pública, como não podia deixar de ser,
estendeu-se à justiça. O vidro substituiu a pedra, as janelas são grande e
abertas e a madeira escura foi substituída por plástico branco.
As rendas dos espaços também cresceram, para dar novas
oportunidades a filhos, sobrinhas e demais parentela dos escrupulosos autarcas
que governam as suas paróquias com escrupuloso zelo.
Já não temos funcionários de caras façanhudas, mas técnicos
e técnicas superiores, maquilhadas e de saia curta. Os juízes preferem as
calças de ganga e os polos de marca aos fatos escuros (alguns ainda preferem o
clássico), os balcões altos foram substituídos por mesas baixas, os clientes
deixaram de esperar em pé, passaram a fazê-lo sentados. Talvez esperem mais, não
sei.
E assim, por baixo das mesas, que com o seu plástico pouco
natural, escapa à transparência, vão-se passando coisas que escapam à vista dos
comuns mortais que assistem, impávidos, à morosidade dos processos, às fugas de
informação (nalguns casos abençoadas fugas que fazem chegar ao conhecimento do
público informação interessante), ao apagar de escutas, a toda uma série de
factos que nos parecem impossíveis na casa da justiça…
Parece agora que as quebras de segredo de justiça vão serinvestigadas. Se querem segredos, não daria para se chamar Casa dos Segredos?
Escrever, em letras gordas, iluminadas, na frontaria desses edifícios: Casa dos
Segredos e, com alguma influência, conseguir um patrocínio de uma cadeia de
televisão que permitisse até baixar os custos operacionais destes serviços?